
Em meio à crise climática, o Senado Federal aprovou, por 54 votos a 13, o Projeto de Lei (PL) 2.159/2021, que cria a Lei Geral do Licenciamento Ambiental (LGLA). Conhecido como o PL da Devastação, a proposta desfigura o licenciamento ambiental, silencia vozes dos territórios e desprotege populações tradicionais e ecossistemas vulneráveis.
Por Geovanna Januário
Neste 5 de junho, Dia Mundial do Meio Ambiente — data instituída pela ONU em 1972 — é fundamental refletirmos sobre os caminhos que estamos trilhando na defesa dos bens naturais e dos direitos coletivos. A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 225, é clara ao afirmar:
“Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.”
Nesse contexto, a recente aprovação do Projeto de Lei n.º 2.159/2021 no Senado representa um grave retrocesso na política ambiental brasileira. Sob o pretexto de “simplificar e agilizar” processos, o texto enfraquece pilares fundamentais do licenciamento ambiental, instrumento essencial para garantir que empreendimentos sejam instalados com responsabilidade e respeito aos limites ambientais e sociais.
Aprovado em 21 de maio com 54 votos favoráveis e 13 contrários, o projeto — relatado pela senadora Tereza Cristina (PP/MS), notoriamente ligada à bancada ruralista — flexibiliza exigências legais e técnicas sob o discurso da desburocratização, especialmente para atividades classificadas como de menor impacto.
No entanto, especialistas e organizações ambientais alertam para os riscos dessa flexibilização, que reduz a capacidade do Estado de avaliar impactos, compromete a participação social e fragiliza mecanismos de controle em áreas sensíveis.
O que está em jogo?
O licenciamento ambiental é previsto na Política Nacional do Meio Ambiente (Lei n.º 6.938/1981) e regulamentado por resoluções como a de nº 237/1997 do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama). Ele funciona como um filtro preventivo, exigindo estudos técnicos e consultas públicas antes da instalação, ampliação ou operação de empreendimentos com potencial impacto ambiental.
O PL 2.159/2021, porém, prevê isenção de licenciamento para uma série de obras e atividades, incluindo estações de tratamento de esgoto, sistemas de abastecimento de água, dragagens, usinas de triagem e reciclagem de resíduos, além de obras de distribuição elétrica até 69 kV. O projeto também permite que empreendimentos de porte “insignificante” ou atividades militares sejam dispensados do licenciamento.
Mais grave ainda é a criação da Licença Ambiental por Adesão e Compromisso (LAC), que autoriza empreendimentos a operarem com base em autodeclarações das próprias empresas, sem análise prévia dos órgãos ambientais. Essa medida abre brechas para o fracionamento de grandes projetos em etapas menores, facilitando a liberação sem o devido controle.
Impactos para comunidades e ecossistemas
A ausência de critérios claros sobre o porte e o risco dos empreendimentos aumenta a insegurança jurídica e ambiental, e pode resultar em impactos desproporcionais sobre comunidades vulnerabilizadas, povos indígenas e ecossistemas já pressionados por grandes obras. Como alertam os pesquisadores Bruno Milanez, Lucas Magno e Luiz Jardim Wanderley**, há riscos concretos de que a flexibilização beneficie empreendimentos minerários em detrimento da saúde pública e da justiça socioambiental.
Mesmo com a reinclusão, pelo Senado, de atividades minerárias de grande porte no escopo da lei, a proposta mantém brechas perigosas para projetos de mineração de pequena e média escala — que, na prática, podem gerar danos significativos.
Não é simplificação: é desmonte
As mudanças propostas reduzem a função preventiva do licenciamento, enfraquecem a atuação dos órgãos ambientais, ignoram a complexidade dos territórios brasileiros e restringem o direito da população à informação e à participação nas decisões que impactam seus modos de vida. Trata-se de um modelo que favorece setores econômicos poderosos em detrimento da coletividade, desmontando décadas de construção institucional voltada à proteção ambiental.
Neste Dia Mundial do Meio Ambiente, é urgente reafirmar: licenciamento ambiental não é entrave, é garantia de segurança ambiental, social e jurídica. Em vez de destruí-lo, devemos fortalecê-lo como ferramenta de controle democrático e de prevenção de conflitos e desastres.
A defesa do meio ambiente é também defesa dos direitos humanos.
*Geovanna Januário é geógrafa e pesquisadora do programa de justiça socioambiental e climática da Justiça Global.
**Milanez, B.; Magno, L.; Wanderley, L. J. (2021) O Projeto de Lei Geral do Licenciamento (PL 3.729/2004) e seus efeitos para o setor mineral. Versos – Textos para Discussão PoEMAS, 5(1), 1-32.
Foto da capa: Quebradeiras de coco babaçu quebrando o coco para gerar outras produções (Crédito: Acervo MIQCB)